terça-feira, 16 de agosto de 2011

SEMENTINHA

Não sou desta cidade. Estou aqui desde muito pequena, vim para cá sementinha ainda. E haveria solo mais propício para eu ser plantada?
Da gente que me acolheu, avó e bisavó, recebi regas de amor por esta Serra. Ouvia histórias de como era no princípio e sonhava que, ao menos o agora, durasse para sempre. Amém.
Dos primeiros sons às primeiras letras, ralei joelhos, pisei pedrinhas e aspirei orvalho na porta de casa. O verde, ao ser visto, alumiava os olhos de estrelas.
Cresci bicho do mato banhando nos rios cristalinos as asperezas de uma vida simples. Vida feliz, de causos contados ao cair da tarde. Tudo assim ritmado no embalo das flores, que nem pareciam obedecer estações, tantas eram. Mas o céu se fazia em quatro ao longo do ano e a gente enganava o frio brincando de roda, após ter tropeçado no avermelhado das folhas caídas no chão.
A escola ajudou a ir nomeando os lugares: rios, cachoeiras, montanhas, trilhas. Impossível era nomear as acrobacias coronárias que acompanhavam cada aventura.
Então, vieram as histórias dos outros: sobre escravos, sinhozinhos e pretos velhos, sobre a Fortaleza das fazendas agrícolas daqui. E vieram os aromas: de café, de cana-de-açúcar, de leite fresco ao pé da vaca. O cheiro dos cavalos sacolejando soldados pela Vila. E São Miguel. Farol no céu da minha infância, com a imponência de sua “espada de fogo” no alto do Morro, a zelar por todos nós.
Gostava de ficar imaginando as poucas casas, com pessoas tímidas a espiar o bota-fora das riquezas, Minas acima e litoral abaixo.
Gente simples, viu?
Quando o padre chegou transformando a Capela em Matriz, o povo se assanhou em Cidade, logo logo.
Depois, essas reminiscências enevoadas agitam um pouco o cenário com a Estrada de Ferro, enfumaçada Maria, os coronéis, fazendas de nobres virando pólvora para enobrecer ainda mais o Brasil.
Nas ruínas do sanatório, até hoje, é possível imaginar o afã das tropas trazendo tísicas esperanças em meio às mercadorias. Ainda existe a Cruz de Ferro assinalando os corpos por lá deixados. Das almas, relegadas ao Tempo, não se tem comentário.
E, na história dos outros, fui emendando a minha. Feito colcha de retalhos, bem à moda antiga. Porque sou do século passado, embora não intencione passar, brancas nuvens, por estes tempos de agora.
Queria mesmo era recuperar não o verde (roubado da Serra), não a água (desviada das nascentes), mas o gosto bom desta Terra “de um povo que canta”, às sombras da Mantiqueira.